sábado, 31 de janeiro de 2009

O secretário e o relógio


O carro da polícia queimava os pneus fazendo aquela curva apertada perto da porta da emergência. Seus faróis piscavam. Quando um carro da polícia vem nessa velocidade, temos uma certeza: policial ferido. __ Policial ferido..ta sangrando_ entravam os policiais com duas pessoas feridas. Um dos feridos estava ainda apresentando reações. O outro não apresentava nenhum sinal de vida. Mas uma voz no meio das recepcionistas gritava. __É o secretário..é o secretário. As pessoas buscam o ter e o saber. Mas tudo isso vem um dia a zero. E quando isso acontece, o desespero de perder alguém o se perder, traz um pedido. Um pedido de Socorro. __ Pelo amor de Deus salvem o cara ai_ gritava um policial com um fuzil na mão. Um dos feridos pelos tiros de pistola, era o secretário de saúde. O Outro, era seu motorista, um policial militar . Álvaro correu para o paciente que parecia ser mais grave, mas todos esqueceram de ver o mais viável. As atenções concentravam-se no secretário, quando o motorista era o único viável naquela sala de politrauma. O médico plantonista massageava o secretário enquanto retiravam o relógio de ouro maciço que valia cinco mil reais. Álvaro tinha acabado de puncionar a jugular esquerda e pelo motivo de um mar de sangue no corpo do secretário, nenhum esparadrapo conseguia segurar nada. __Com uma mão eu seguro o jelco..e com o dedo da mão direita to colocando no buraco do tiro..ta saindo sangue do coração__ dizia Álvaro.. __ Ta na merda...ta na merda__ dizia o cirurgião em referência ao motorista. A sala de politrauma lotada de pessoas. muitos curiosos que sentem o prazer de ver cenas que pessoas lutam para esquecer. O motorista tinha levado um tiro no abdome e outro na região occipital. Parte da massa cefálica tinha caído naquela sala de politrauma. Muitos tênis estavam cheios dessa massa cefálica. O chefe de plantão avaliando toda a cena, com o sangue mais frio circulando pelo corpo, viu que o secretário não tinha mais chances. Enquanto o motorista lutava ainda por vida. __ Corre nele..Álvaro..deixa esse que já era_ gritou o chefe de plantão. Álvaro largou o buraco e o jelco e partiu para o paciente do lado. A gana de salvar as vidas cega quem atende. Qualquer um perceberia que o secretária tinha dado entrada morto. Mas a respiração de " peixinho fora d'água" do motorista que deveria ser o centro das atenções de todos ali, ainda mantinha alguma chance. __Tubo__ pediu o médico. __ Tá com veia..pode mandar__ respondeu o técnico Marcelo. __ C*..ta saindo a p* do cérebro todo__ gritava Álvaro em desespero com parte do cérebro na mão. __ Calma..faz uma compressão..vamos estabilizar e levar para o centro cirúrgico. As horas se passaram. O secretário morto e sem os pertences. Nessa confusão dentro de uma sala de quatro por cinco metros, uns quinze profissionais e mais uns dez curiosos. O relógio de cinco mil reais tinha se evaporado. O motorista foi com vida para o centro cirúrgico. Conseguiram salvar uma vida naquela noite. Mas a vida que ele teria depois daquele dia, seria parecida como uma palmeira no jardim. Depois do incidente, todos da emergência já esperavam os carros de polícia, repórteres, políticos e familiares que estariam ali. Restaram umas perguntas: Quem atirou? Quem poderia ter visto mais cedo que o motorista era a única vítima? Quem roubou os pertences? A família chegou, e depois de deixar cair algumas lágrimas pelo falecido, chamou a polícia porque queria o relógio de volta. Se soubessem quem foi... Álvaro Neto enquanto lanchava, retirava os pedaços de massa cefálica do seu tênis. Depois foi para o chuveiro e deixava cair pelo seu corpo a água gelada. As cenas de sangue, gritos e tensão pairavam no ar, mas já iam ir embora. Afinal de contas, essas situações são familiares para quem trabalha nesse inferno conhecido como emergência.