segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

As dores da Profissão





Espera-se sempre força, coragem e posição de um humano vinte e quatro horas por dia. Inviolável a posição de “homem oco” ou super herói frente a tudo que acontece.
Espera-se uma pessoa intransponível apesar de ver sangue caindo aos seus pés. Vendo outro ser humano em pedaços, pedindo ajuda, estendendo a mão, sentindo dor, tremendo por febre e caminhando-se à morte.
Quem cuida de quem cuida? Muitos terminam com problemas graves de coração por viverem situações desumanas em hospitais para tratamentos de câncer, problemas sérios de coluna e outras só conseguem dormir com ajuda de comprimidos fortes.
Passa tempo em tempo alguém fala.
`` Fulano sofreu um avc”
“ Ciclano passou mal e infartou”
Normal até o ponto de imaginarmos que são seres humanos vestidos de branco, azul, verde ou seja qual lá for o uniforme de trabalho, mas contando que pessoas que vivem essa rotina extenuante, prestes a surtar tendo que manter a calma, o equilíbrio, a sensatez e o humor frente a episódios trágicos e desconcertantes. Quem são essas pessoas? O que pensam? O que sentem?
Certa vez soube-se da história de um profissional de saúde que se jogou da janela do seu prédio. O estresse chegou ao extremo da pessoa não suportar mais viver.
Em meados de junho do ano dois mil e quatro, Marina caminhava em direção à casa de sua mãe. Com cabeça baixa, cansada de um plantão puxado, pensava em não pensar em seu último plantão.
Rasgada por dentro, sem ânimo procurava abrigo em sua mãe. Cuidava de uma mesma paciente a mais ou menos sete meses. Era do setor de internação feminina. O diagnóstico: Câncer uterino com metástase óssea.
Dizem que é um dos piores. Câncer no osso é muito dolorido.
Marina mantinha em sua mente a voz, o olhar e o toque de sua paciente. Todos aprendem a serem indiferentes com a vida pessoal dos pacientes.
“Tratar bem, ouvir, dedicar-se, mas não apegar-se. Viver aquele momento no trabalho e nunca levá-lo para casa.”
Marina trazia junto de si aquela paciente. Aquele corpo reduzido. Magro. Apático. Tomado por aquela doença que extravasa o corpo e invade a mente. Soberana entre as mortes. Mata lentamente e seu tratamento deixa parcamente as chances de sobrevida. Isola. Maltrata e não era diferente com essa paciente.
Marina deixou cair uma lágrima. Escutava ainda a fala da paciente caminhar em sua mente. Vieram outras lágrimas. Mantiveram-se em um choro incontrolável. Não chorava pela perda. Mas pelas constantes perdas. Impotência. Perda do poder de cura ou de levá-la à cura.
Marina chegou a casa e abraçou sua mãe. Não falou nada mas disse muita coisa. Sua mãe já lhe conhecia. Vivia as dores que Marina vivia.
Quem paga isso? Onde está o lucro de viver em uma profissão que luta contra um inimigo imortal, que não perde. Que não se abate?
Marina é mais uma entre tantos outros. Marina sorri por fora e chora por dentro. Marina ver a morte na vida.
Chega a noite e a cartela com a tarja preta é aberta. Um copo desce o comprimido. Agora sim podemos dormir.

Só Dói Quando Rio