sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O eterno aprendiz







A maca estava perto da porta c da emergência. Sua saída dava-se ao pátio externo. Constituído de banco, a biblioteca e uma banca de jornal.
Álvaro Neto aproximava-se daquele jovem com aproximadamente 21 anos. Pele clara, olhos claros e um olhar triste. Na verdade, o rapaz negava-se a si mesmo estar ali. Esperava algo a mais da vida, que talvez não fosse ter mais.
Seu joelho esquerdo tinha sido vítima de um tiro de fuzil, que fora disparado do alto de uma laje de uma favela da zona norte do Rio de Janeiro. O tiro saiu de um fuzil militar. De um soldado da polícia militar em uma incursão nessa favela.
Com um orifício que dava para entrar uma mão inteira no seu joelho, o rapaz ainda teve força para correr por entre vielas com sua 9 milímetros e ainda tentar acertar dando o troco do seu prejuízo.
__ Perdeu!__ disse o policial apertando o fuzil contra sua cabeça, logo depois que o jovem caiu no chão.
Chegou no hospital e foi direto para a cirurgia e depois estava entregue nessa demorada e dolorosa recuperação. Já tinha decorado o que todos lhe diziam:
“ você sabe que seu joelho não vai ser a mesma coisa, talvez não conseguirá andar sem muletas”.
O joelho é a sustentação do corpo. Algo desprovido de beleza, que muitas vezes é comparado ao rosto de criança quando nasce. Joelho a base de sustentação do corpo.
__ Bom dia..
__ Bom dia
__ Meu nome é Álvaro, vim fazer seu curativo.
Os dois começaram a ter uma conversa bem monossilábica. Baseada no sim, não e talvez.
__ Você esta sentindo dor?
__ Não.
Ora era o rapaz que perguntava:
__ Vou conseguir me recuperar rápido?
__ Talvez.
E aos poucos começavam amadurecer uma conversa de verdade. Álvaro começou bem simples. Olhou para aquela algema que prendia seu braço a maca.
__ O que aconteceu?
__ Tiro.
__Isso eu sei... mas como desenrolou?
O rapaz contou passo a passo. Desde a comitiva recepcionista que dera à polícia até o momento que tinha caído.
__ Na hora não doeu nada, consegui correr com minha perna pendurada.
Álvaro escutava e continuava a conversa com aquele bandido. Bandido mas ser humano. Álvaro não gostava de bandido. Acreditava e falava que bandido nunca teria misericórdia por ele ou por sua família. Sempre disse que se fosse para escolher, seria ele ou ele, nada de bandido. Mas aquele momento era diferente. Não era ele que naquele momento do seu exercício profissional iria virar as costas ou realizar algo com alguém, sem ao menos conversar. Escutar. Deixar o outro falar.
__ O que você é lá na sua comunidade?
__ sou o que?
__ É;..gerente..dono???
O rapaz riu, puxou o suco que estava no canto, esticou para Álvaro:
__ Abre para mim?__ deu um gole no suco de uva__ Sou nada. Sou apenas o cara que fica fazendo segurança. Não sei para que essa algema. Ninguém vai vir aqui me resgatar.
Por toda a conversa sempre ficava um policial de escolta.
__ Arrepende-se?
__ claro..ficar com a perna pendurada...é bem complicado.
O que deixava Álvaro bem curioso, era a ausência de gíria. Nada. Até ouvia-se um : “fi-lo” “A bala atingiu-me”.
__ Não pensa em sair daqui e mudar não? Acordar cedo pegar ônibus, ir pro trabalho..atender polícia, estudante, dentista...qualquer um..receber seu pagamento..ir parta casa. Poder sair de casa sem medo de carro que venha em seu sentido com as luzes piscando?
O rapaz olhou para Álvaro e disse bem baixo.
__ Agora? Olha como estou.
Álvaro ficou quieto. Deixou algo na mente daquele jovem. Ainda conversaram sobre legalização das drogas, futebol e emprego no país.
__ Pronto acabei.Qualquer coisa é só chamar.
__ Posso te pedir algo?
__ Pode!
__ Traz algo para eu ler.
Álvaro sorriu e deu as costas. Voltou depois de cinco minutos com um pequeno livro azul Tendo a certeza que aquele rapaz não iria lê-lo, deixou o dia correr em seu espaço, tempo e pessoa.
No final do plantão, Álvaro tendo que ir no banco, passou pelo rapaz e para sua surpresa, estava o rapaz virado para o lado da parede lendo o tal livro. Quem passasse pelo rapaz poderia ler o que estava escrito na capa.
“ Bíblia Sagrada”

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