segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Tiro Certo





Ele olhava para todos naquela pequena sala. Álvaro Neto, segurava seu braço apertando-o, em uma sensação de pulsação em seu pescoço mútuo. Segurava seus olhos, porque pareciam querer, por conta própria, fechar em uma força quase que impossível de suportar.

Seguiu com os olhos o homem de jaleco impecável branco que circundava a sala, apoiava as mãos em uma pequena mesa, e abria um pacote de luvas. Apontou o dedo indicador para seu corpo em uma fração de segundos tentava colocar o dedo na junção das duas clavículas, no centro do seu peito.

__ Porra como esses filhos da puta conseguiram acertar aqui. __ dizia o homem do jaleco branco.

Há vários projéteis de arma de fogo. O fuzil, por exemplo, tem um pequeno furo no local de entrada e um outro imenso no local de saída. Já uma pistola, apesar de mortal não faz tanto estrago na saída. Mas em certos locais do corpo humano, ela é mortal.

__ Cento cirúrgico..pode levar__ disse um dos médicos presentes.

O residente da cirurgia de um lado e Álvaro Neto pelo outro lado, subiam com o sargento da PM baleado perto do pescoço, para o centro cirúrgico. O maqueiro foi na frente para chamar o elevador. Da pequena sala de trauma até o elevador são no máximo uns vinte metros.

O elevador chegou, tinham duas pessoas dentro, e a maca não permitia que eles saíam e nem as pessoas no elevador, que a maca entrasse no elevador.

Em uma fração de segundos. A cor branca do sargento e sua alma pareciam não estar mais ali. Álvaro Neto olhou para aquele corpo, com aquela roupa cinza e mergulhada no sangue vivo.

__ Parou..volta...volta...

Voltaram para a sala de trauma o sargento.

Psvchein significa soprar em grego. Que também é uma palavra ambígua que no seu significado original era alento, que posteriormente sopro. Alento sendo uma das características da vida, a expressão psique ( psvchein), foi utilizada como expressão de alma. Do principio da vida. Mas desse caso, o final.

No dia do casamento de sua filha de dezenove anos, aquele sargento de quarenta e cinco anos, estava segurando plantão para um amigo seu, que foi deixar um parente no aeroporto. Hoje foi dia de incursão em uma das favelas de um grande complexo de favelas do Rio de Janeiro. Um tiro entre ruelas da favela, atingiu aquela região tão frágil. Sua voz foi calada, seu olhar apagado. Mas seu ouvido ainda estava atento.

__ Bisturi..rápido..

__ Acerta ai..vai puxa...isso..bem abaixo da costela..isso..rasga..puxa...issooo.

Um corte pelo lado esquerdo do corpo do sargento foi levado até o esterno, separando a caixa torácica em duas. Os coágulos pulavam. Sangue para todos os lugares. Uma importante artéria foi atingida. Aquele corpo aberto foi levado para o centro cirúrigo.

Um dos cirurgiões apertou um dos pulmões que se reduziu a um saco de supermercado apertado, por causa do sangue do bife que pulava pelo chão da casa.

__ Segura esse acesso..mais líquido..__ gritava o cirurgião completamente lavado de sangue, seu antigo branco tornou-se vermelho.

Até o centro cirúrgico o seu alento subia. Uma das mãos apertava o pulmão para evitar a hemorragia. A outra massageava o coração. Massagem cardíaca interna. A mão do homem direto naquele órgão tão importante e tão frágil.

Aquela bala tirou mais uma vida. Um homem de um metro e oitenta de altura. Duas filhas e uma festa de casamento esperavam-o.

A polícia saiu do hospital com um sentimento de perda no coração. Todas as sirenes ligadas. E uma certeza na equipe, teríamos a volta deles. Não demorou muito é três corpos chegaram. Ambos cobertos de furos. É essa guerra entre a vida e a morte.

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