segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A Enfermaria da favela



A ambulância procurava a rua Sete, da avenida Belmonte. A equipe mostrava-se cansada. Exausta depois de um dia cheio. Repleto de saídas. Não almoçaram e por fim, estavam às três da manhã andando pelas ruelas daquela comunidade.
__ Meu querido__ disse o motorista da viatura SA 04 baixando o vidro e dirigindo-se a um senhor parado em um ponto de ónibus._ o senhor sabe me informar onde fica a rua Sete?
O homem de aproximadamente cinquenta anos, carregava uma mochila preta nas costas. Estava saindo de casa para o trabalho. Carregado pelo sono, passou a mão pelo rosto em sinal visível do cansaço.
__ Rua Sete?
__ Isso..
__ Olha__ apontava ele para frente__ não tenho muita certeza mas acho que fica depois daquela praça, na rua ao lado daquela banca de jornal.
A ambulância dirigia-se bem lentamente. Parou em frente à rua. O condutor estava com seu rascunho em uma das mãos. Procurando pelos pontos de referências para encontrar o local.
Geralmente, quando as ambulâncias são solicitadas, fica sempre alguém da família ou vizinho perto do local para indicar a localização correta. Dessa vez não.
Ruas pequenas com carros parados pelos dois lados. Uma grande subida. Casas pequenas. De repente essa pequena rua transformou a visão de casas pequenas em um pequeno mundo, fechado por aquelas curvas aos olhos do mundo.
__ Favela__ disse Álvaro Neto chegando mais perto da cabine do motorista__ fudeu!
Aos poucos a ambulância penetrava pela rua Sete. Começaram a perceber a movimentação lenta de vultos. Três da manhã um carro piscando dentro da favela é provocante ao dedo que segura o gatilho.
Um volto passou do lado da janela da médica. Aquele corpo usando um capuz vermelho deixou sua cabeça entrar dentro do veículo pela janela.
__ Qual é?__ disse o homem segurado um rádio comunicador em uma mão e uma pistola prateada em outra.
A médica mostrou o rascunho com o endereço da chamada e o nome do solicitante.
__ Abre atrás ai cumpade__ disse o rapaz virando o corpo e caminhando em direção a porta traseira da ambulância.
Nessa hora, a equipe queria mais sair daquele local. Não lembrava mais o quadro do paciente. Se estava grave. Quem estava precisando de socorro era a equipe.
__ O que tem nessas mochilas ai?
__ Medicamento, seringas e materiais__ disse Álvaro Neto segurando as mochilas e mostrando para o rapaz.
Ele virou o corpo e com o rádio comunicou-se com outra pessoa.
__ Eles tem aqui um material....sei....sei...ta tranquilo irmão...sei..to esperando aqui..fechado__ disse o marginal com a outra pessoa do rádio, voltou-se a Álvaro Neto__ Agora abre todas as mochilas que vamos fazer umas compras.
Desceu de uma viela, um homem aparentemente de trinta e cinco anos. Portando calça jeans e blusão social branco. Não portava nenhuma arma. Caminhava tranquilo segurando um cigarro em uma das mãos.
__ Peguem todas as gazes, estamos sem.... a bala de oxigênio também__ ele apontava para dentro da ambulância e as pessoas retiravam tudo. A médica não saiu do ambulância. O condutor e Álvaro Neto estavam em pé atrás da viatura.
__ Passa o celular__ disse um menor que carregava um 765. O fuzil era quase do tamanho daquela criança.
__ Calma ai o Bacuri__ disse outro homem com barba rala pelo rosto que carregava uma espingarda calibre 12 com uma das mãos , deixando-a escorregar pelas costas__ não estamos aqui pra esculachar os doutor não, porra. __ apertando a cabeça dela com a outra mão completou__ segue seu rumo.
O outro homem já tinha passado toda a ordem. Colocaram todo o material em uma chevete com preta. Subiu o restante da favela sumindo na curva a frente. O homem puxou um n95 do bolso e discou uma seqüência.
__ Fala prego..tudo bem...olha só..segura ai a hidrocortisona, oxigênio e atadura..ah e também gaze__ jogou o cigarro no chão e pisou com seu sapato preto__ tivemos uma visita aqui em casa. Pode comprar o restante e paga logo esse muquirana.
O condutor estava encostado na parte traseira do veículo. Álvaro Neto arrumava o que tinha restado dentro do veículo. Um dos homens fechou a parte traseira e terminou a conversa.
__ Podem voltar..ou se quiserem, terminar o serviço.
A ambulância retornou para a base. Uma semana depois deste acontecimento, foi descoberto uma enfermaria do tráfico com até aparelho de ventilação mecânica, usado em pacientes graves para auxiliar na respiração.
Álvaro Neto estava cansado disso tudo. Tudo se encaminhava para um dia ele parar com aquilo tudo. Vinha calado no caminho de volta.
__ O que foi que você tanto pensa? __disse a médica
__ Quanto será que ganham esses caras ..aposto que ganham mais que a gente para trabalhar atendendo bandido nessa enfermaria.
Uma risada contida pelo condutor. Uma mão da médica na cabeça de Álvaro Neto. E só. Estavam tensos demais para descolorir aquele momento de relaxamento depois desse quase atendimento.

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