domingo, 6 de dezembro de 2009

Neves




Era certamente um dia perfeito. O mar com ondas fortes e a água com aquela sua cor característica. Deitava-se na areia, com seu corpo bronzeado , seu jogo de biquíni amarelo com listras azuis e sua cicatriz em seu joelho direito, Daniela Abreu.
Aparentava ter vinte e poucos anos, pelo seu formado corpo e seu jeito de mulher, mas ainda possuía dezoito anos. Apenas dezoito anos.
Seu pensamento no vigor da vida, pelo esforço de manter-se viva. Com a morte do pai, que já faz quatro anos, passou a ter uma responsabilidade grande dentro de casa, pois sua mãe, atordoada pelo excesso de trabalho, mal tinha tempo de cuidar do outro filho mais novo. Secar cabelo, cortar unha, ir em reunião de escola e ouvir as perguntas do pequeno Danilo, ficavam ao cargo da Daniela.
Apesar dos dezoito anos, Daniela tinha experiências de mulheres com mais idade. Aos quinze sofrerá um grave acidente que rompeu um dos tendões do seu joelho direito. Permanecerá na cama por alguns meses.
Depois da morte do pai, sua mãe conhecerá um outro homem que passou a viver na sua casa. Daniela mudará seu modo de agir. Passou a ser mais calada. Chorava quando dormia e quando acordava. A mãe sempre dizia as amigas.
__ Saudades do pai.
Daniela sentia sim saudades do pai, mas a falta do respeito do pai. O seu padrasto abusou sexualmente de Daniela por um período. Até que um dia sua mãe chega mais cedo em casa do que o habitual.
__ Meu Deus!
Encontra seu namorado estendido no chão da sala. Com o prato de comida espalhado pelo seu tapete e o copo ainda agarrado na sua mão.
__ Infarto agudo do miocárdio__ foi o que estava escrito na certidão de óbito.
__ Ele era cardíaco e tomava um monte de remédio__ dizia a mãe de Daniela para suas amigas no enterro
Daniela chorou no enterro. Foi uma comoção entre os amigos da família com mais essa tragédia. Daniela tinha saído a pouco tempo de casa.
__ Melhor assim. Eu que encontrei e não as crianças.
Tempos entraram e Daniela conheceu Neves.
__ Quem?__ o leitor pergunta.
__ Cocaína__ dizia o médico na emergência__ a quantidade foi grande e ela teve sorte de não ter tido algo pior.
Sua mãe ergueu a mão e passou em sua cabeça. Retiraram o soro que estava pendurando pelo seu braço esquerdo. Foi caminhando de volta para casa com auxílio daquela mãe. Que perdera o marido e o namorado. Se bem que esse último, sem ela saber, abusava sexualmente de sua filha.
Daniela ficou vítima das drogas. Abusava de si mesma agora. Não mais necessitava culpar ninguém pela tristeza que nutria seu olhar. Agora era com ela mesma.
__ Não tenho dinheiro__ dizia sua mãe__ você tem que se tratar Daniela.
Sua obsessão pela cocaína estava ultrapassando os limites. Até seu corpo voltou a ser usado para a compulsão.
Daniela queria a morte. Deitou-se na areia quente de Piratininga. Seu biquíni amarelo com listras azuis. Seu cabelo escuro beirando pela testa uma parte dele. Olhou para duas crianças correndo ao seu lado. Pelo reflexo do sol, viu uma poça de água à sua frente. Miragem. Conhecia bem essas anexos da realidade. Miragens, alucinações, delírios. Cocaína mata.
Na tarde que o namorado de sua mãe chegou do trabalho, Daniela estava lavando a louça para sua mãe. O vestido preto que vestia, logo foi levantado pelas mãos daquele homem que ela aprendeu a detestar.
__ To te querendo__ a voz daquele vendedor de planos de saúde entravam pelos seus ouvidos.
Daniela ofereceu o seu almoço. Macarrão ao molho branco e suco de pêssego. Para a sobremesa já tinha avisado.
__ Pudim de morango.
A cada garfada o olhar de Daniela entrava no corpo daquele homem de um metro e oitenta de altura. Cabelos escuros com um pouco de prateado pelas laterais.
Ele com um mínimo de percepção e um último insith, ainda pediu pelos remédios que estavam no armário da cozinha. A crise veio muito forte. As dores no peito pareciam garras que lhe queriam arrancar o coração.
Eram as garras da Daniela, que há um mês atrás conseguiu uma droga que fazia efeito contrário a todas medicações que ele tomava para prevenir o infarto.
Daniela chorou no enterro para as pessoas. Sorriu para si. A cocaína mata e Daniela também. Conseguiu toda a medicação com um rapaz que trabalhava em um laboratório e que também era viciado em cocaína. Trocou sexo e cocaína por uns comprimidos.
O sol apertava mais forte. Ela puxou a canga que a defendia da areia quente. Colou a mini vestido. Perceptiva nas ondas que batiam e voltavam, que não se entregavam a fortaleza da praia. Decidiu-se não abusar mais de si. Lutou.
Daniela entrou para o NA perto de sua casa. E hoje já faz dois meses que ela não se encontra com Neves.

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